KUNDERA, Milan. A identidade. Tradução de Teresa Bulhões de Carvalho da Fonseca. São Paulo: Companhia das Letras, 2009 (original 1997):
Jean-Marc nunca subestimava o momento mágico em que um homem escolhe sua profissão. Sabendo que a vida é curta demais para que essa escolha não seja irreparável, ficara angustiado ao constatar que nenhuma profissão o atraía espontaneamente. Com ceticismo, examinara o leque das possibilidades que se ofereciam: os promotores, que consagram toda a vida à perseguição dos outros; os professores, sacos de pancadas de alunos mal-educados; as disciplinas técnicas, cujo progresso traz juntamente com uma pequena vantagem uma enorme nocividade; o falatório, tão sofisticado quanto vazio, das ciências humanas; a arquitetura de interiores (ela o atraía por causa da lembrança do avô, que era marceneiro), completamente sujeita aos modismos que detestava; a profissão dos pobres farmacêuticos, reduzidos a vendedores de caixas e frascos. Quando se perguntava: que profissão escolher para toda a minha vida? seu foro íntimo caía no mais embaraçado dos silêncios. Se no fim tinha se decidido pela medicina, não obedecera a nenhuma vocação secreta mas a um idealismo altruísta: considerava a medicina a única ocupação incontestavelmente útil ao homem e aquela cujos progressos técnicos trazem um mínimo de efeitos negativos.
[...] Assim, estudou medicina durante três anos antes de abandoná-la com um sentimento de naufrágio. O que escolher depois desses anos perdidos? A que se agarrar se seu foro íntimo continuava tão mudo quanto antes? Desceu pela última vez a grande escadaria externa da faculdade com o sentimento de que iria ficar sozinho na plataforma de uma estação da qual todos os trens haviam partido.
Milan Kundera |
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