Ao passo que conceituados acadêmicos seguem a sustentar que a mitologia romana era uma tradução da grega, aqui prestamos louvor a uma deusa muito omitida, Cloacina, regente dos esgotos. Antes dos comentários tornarem-se piadas escatológicas, cabe lembrar do mérito dos esgotos romanos para esta civilização da qual somos a descendência.
De provável origem etrusca e mencionada já por Lívio (iii, 48), Cloacina (ou, raro, Cluacina) é uma deusa que gradualmente tornou-se um sobrenome a Vênus e regia os rituais de purificação, por extensão também a Cloaca Maxima; segundo a lenda, durante a construção da mesma uma estátua sua fora descoberta pelos operários etruscos envolvidos. Em uma etimologia digna da tradição que inclui Isidoro e Heidegger, um certo Lactantius fazia-a resalir precisamente ao mais famoso entre os esgotos, desconsiderando a origem sustentada por Plínio, o velho, de que seu nome deriva do verbo “cluere” (“limpar, polir, purificar”) ou “como os antigos diziam purgare“, e do qual, por sinal, o próprio “cloaca” deriva:
Arbor ipsa in Europae citeriore caelo, quod a Cerauniis montibus incipit, primum Cerceis in Elpenoris tumulo visa traditur Graecumque ei nomen remanet, quo peregrinam esse apparet. fuit, ubi nunc Roma est, iam cum conderetur; quippe ita traditur, myrtea verbena Romanos Sabinosque, cum propter raptas virgines dimicare voluissent, depositis armis purgatos in eo loco qui nunc signa Veneris Cluacinae habet; cluere enim antiqui purgare dicebant. (Naturalis Historia, XV, xxxvi – grifo meu)
O Online Etymological Dictionary faz derivar “cluere” do PIE *klu- de mesmo sentido (pela curiosidade, no Isidro Pereira encontrei Κλύζω qual “açoitar com ondas; banhar, lavar, limpar” e nestas horas me falta um bom etimólogo por amigo). A derivação é confirmada pelo mito fundacional de que, após as sabinas raptadas prevenirem o derramamento de sangue entre Rômulo e Tito Tácio, ambos os exercitos teriam se purificado com brotos de mirta onde seria erigido o templo da Vênus Cloacina.
Já em época republicana e imperial, Cloacina era reverenciada neste pequeno santuário frente à majestosa Basilica Aemilia e diretamente sobre a Cloaca Maxima, aqui recriado a partir da moeda original acima:
A eleição de Cloacina como protetora do bem-comportado e puro sexo matrimonial não passa de um anacronismo que merece apenas esta nota de post-scriptum.
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