Entartete Kunst

A notícia vem da BBC, via Art History Newsletter: o arcebispo de Colonha está sendo criticado por ter se referido à arte moderna, quem sabe contemporânea, como “degenerada”. Mais que pelo conteúdo, as barricadas foram levantadas com razão pela forma: a etimologia de “entartete Kunst”, a tal “arte degenerada”, é distintamente nazista e seria difícil omitir o seqüestro de quadros subversivos e da queima de livros corrompidos. Ironicamente, a declaração parece vir do discurso de abertura do Kolumba Art Museum, iniciativa de seu próprio arcebispado no âmbito de instalações e pinturas abstratas.

Colonha segue portanto figurando nas últimas resenhas estéticas, após o rumor em torno do novo vitral de sua catedral, desenhado pelo minimalista alemão Gerhard Richter:


Sim, pixelado como uma imagem com zoom em excesso. O jogo de cores é simpático e deixa um sabor de anos ’70, quando Richter compôs a base da obra. Mas o estranhamento que causa é negativo; um vitral, supõe-se, deveria refletir didaticamente sua ideologia e decorar, pois estes templos nasceram também como prova da técnica da qual os construtores eram dotados ou podiam dotar-se. Em resumo, o vitral ideal quer também, consiga-o ou não, ser belo, como este da mesma catedral:



É de pouca surpresa que nosso pixelado, pelo valor que possa ter, esteja na galeria errada: há tempos uma arte que se julga inovadora pensa que uma nova beleza significa a abolição da mesma ou um distanciamento intencional do já visto. Não por acaso, a grande parte das instalações são adjetivadas por supreendentes, insurgentes, contestadoras, de nova leitura, majestosas e astutas, mas raramente por belas. As saudades de um passado que nunca existiu, de que tanto sofre este conservadorismo, são facilitadas, e pouco difícil é adotar este esquivo moralismo tipicamente nórdico, quimera vitoriana e bizantina. Me pergunto o que diria nosso arcebispo Meisner sobre uma obra como o “Corpus Hypercubus” de Dalí, também citada por nossa fonte:

Tão claramente sua, que a atribuição seria desnecessária. Gala, sua eterna musa russa, está aos pés de um Salvador (seja um Cristo Salvador ou um Salvador Dalí — pouco importa, e de qualquer forma não podemos ver-lhe o rosto) heróico, em êxtase, vitorioso e em muito distante àquele Jesus das telas realistas de Mel Gibson. Dalí deve ter jogado com o ditado espanhol “a mal cristo, mucha sangre“, pois sua obra é inegavelmente boa e bela: suas minúcias não cansariam como o caleidoscópio de Richter.



Mas nem só de beleza vive a arte, e nisto a crítica oitocentista tinha plena razão. O retrato de Dalí é da era nuclear e mecânica, do homem que se acredita inédito. Se é um Cristo, é secularizado: seria ainda mais difícil achar, tanto nas paredes da catedral alemã quanto na mente de seus sacerdotes, um vão onde coubesse.

(Originariamente publicado no Ars Rhetorica)

Da lista de compras

(Originariamente publicado no Ars Rhetorica)

Começamos e seguimos clássicos. Esta, visão para todo classicista, pesquei lá no BoingBoing:




Sim, a parte pintada deveria ser a preta e não a vermelha, ma non siate così pignoli

Traduttore, Traditore

(Originariamente publicado no Ars Rhetorica)

Um dos últimos posts do Abandoned Footnotes, um blog tão abandonado quanto seu nome, traz uma piada (more a pun than a joke) em grego clássico!
Πλάτωνος ὁρισαμένου, Ἄνθρωπός ἐστι ζῷον δίπουν ἄπτερον, καὶ εὐδοκιμοῦντος, τίλας ἀλεκτρυόνα εἰσήνεγκεν αὐτὸν εἰς τὴν σχολὴν καί φησιν, “οὗτός ἐστιν ὁ Πλάτωνος ἄνθρωπος.” ὅθεν τῷ ὅρῳ προσετέθη τὸ πλατυώνυχον. (Diogenes Laertius, VI.40)
Que, traduzido com aquela liberdade de arrepiar qualquer filólogo, fica:
Platão definira o homem como um bípede sem penas e fora muito aplaudido [por causa disto]. [Diógenes, sabendo disto,] levou uma galinha despenada à escola e disse: “Eis o homem de Platão”. Então a definição foi alterada, adicionando-se “e com unhas compridas”.
Não, o post não termina aqui. Tal como Frost que, certa feita, disse ser a poesia exatamente o que se perde ao traduzir, digo que aqui se perde o cômico; πλατυώνυχον, platyônykhon ou “com (a qualidade de ter) unhas compridas”, é fonologicamente similar a πλατώνικον, platônikon ou “com a qualidade de ser platônico” — o homem é sim um bípede sem penas, mas platonicamente, idealmente.

Nosso blogueiro acha a história pouco engraçada, mas eu discordo: é excelente.

O eterno retorno

(Originariamente publicado no Ars Rhetorica)

Não, Nietzsche non centra, mas o título cai como uma luva.