Obscenidades gregas

(Originariamente publicado no Ars Rhetorica)

…ou “minha descida irremediável ao não profissionalismo”.

Prestando homenagem ao Paulo, reuni as poucas fontes à disposição e selecionei alguns “palavrões” desta coletânea lingüística que chamamos de “grego clássico”. Em suma, trata-se da monumental “A History of Ancient Greek” editada por A.-F. Christidis (doações aceitas, por sinal) e um post do não menos valioso blog “Nestor’s Cup“, cuja fonte é certo artigo “Six Greek Verbs of Sexual Congress” de David Bain (1991).

A linguagem obscena, como sabiamente afirma Christidis, é necessária a qualquer comunidade: apesar de moralismos onipresentes que a contrastam, esta é uma maneira de estabelecer contato e favorecer a expressão, tanto para a criação de intimidade quanto para a intimidação de adversários e inimigos ou a ridicularização de oponentes. A relação necessariamente direta com as práticas sexuais é motivo para o papel histórico como um dos rituais de passagem na raiz da sociedade ocidental (e duvido seriamente que não o seja em todas as sociedades). Até mesmo imaginar que a altivez que a restringe seja uma particularidade nossa é pura tolice: Sermonides de Argos, por exemplo, escreveu sobre as “mulheres abelhas” que não freqüentam lugares ὄκου λέγουσιν ἀφροδισίους λόγους [óku légusin afrodisíus lógus] “onde se fala de sexo”.

O início mais sensato é aquele das próprias crianças: quanto as genitálias, tanto masculina quanto feminina, além dos costumeiros eufemismos quais ἀπόκρυφα [apókrifa] “escondido, oculto” e μόρια [mória] “parte, membro”, encontramos metáforas como γέρρα [guérra] “lugar fechado” e o extremamente popular κύων [kíoon] “cachorro”. É claro que há uma variedade de termos peculiarmente obscenos à disposição: para a genitália masculina, σάθη [sáthee] ou as mais ríspidas πέος [péos], κωλῆ [koolée] e ψωλός [psoolós]; a genitália masculina infantil, e provavelmente a masculina de dimensões menores em tons sarcásticos, era chamada de ὄφις [ófis] “cobra” e σαύρα [saúra] “lagartixa”, entre outros. O conhecido φαλλός [fallós] não era propriamente o pênis qual órgão sexual, mas a efígie de pênis utilizada em procissões religiosas; os sátiros a este relacionados foram batizados com expressões também relativas ao órgão sexual masculino, com nomes quais Τέρπων [Térpoon] “prazeiroso”, Οἴφων [Oífoon] “garanhão”, Πόσθων [Pósthoon] “com pênis de grandes dimensões” e Στύσιππος [Stísippos] “com uma ereção como de um cavalo”, dentre outros.

Para a genitália feminina, os termos literais são κύσθος [kísthos], κυσός [kisós] e, mais vulgarmente, ὔσσακος [íssakos]. As metáforas são especialmente relacionadas a animais e vegatais, como ἀηδονίς [aeedonís] “rouxinol” e λειμῶν [leimoon] “prado, campina”.

De qualquer modo, o termo fundamental para atos sexuais em grego (ou, em outras palavras, aquele que a maioria vai desejar aprender de cor) é βινῶ [binóo], para o qual a tradução que mantém a força de obscenidade é “foder” (diz-se que Sólon o teria utilizado em debates em oposição a ὀπυίειν [opinuíein], o sexo propriamente marital que na voz ativa é utilizado para o consorte, “assumir uma mulher”, e na voz passiva para a consorte, “ser desposada”). Como todos os demais termos deste post, é raro na prosa culta mas encontrado com certa freqüência em comédias, grafites, encantamentos, provérbios e sentenças; a variante βενῶ [benóo], por exemplo, vem de uma placa de bronze em Olímpia na qual são descritas as punições para quem praticasse atos sexuais dentro do templo.

Essencial e já tradicional é a citação de Aristófanes, Lisístra 934:
Μὰ Δί᾿ οὐδε δέομαι γ᾿, ἀλλὰ βινεῖν βούλομαι
(“Por Zeus, eu não quero um destes — mas quero foder!”).

É contudo provável que ao longo dos séculos do “grego antigo” o sentido tenha se especificado em certas ocasiões: Stratão, neste caso, limita o βινῶ ao sexo vaginal, contrapondo-o ao πυγίζειν [piguízein] masculino e menos vulgar, semântica reforçada por um tablete metálico que descreve os três orifícios feminínos aptos para o sexo, utilizando βινῶ para o sexo vaginal, πυγίζω [piguízoo] para o anal e λαικάζω [laikázoo] para o oral. Em compensação, há referências ao mesmo verbo em outros contextos, como a expressão βινεῖν στόματι [bineíin stómati] “foder com a boca”.

Como vimos a partir de Stratão, πυγίζω [piguízoo] é o termo utilizado para o sexo anal (vale contudo lembrar que o sexo masculino não se restringia ao anal, com ampla difusão do intrafemural, mas este é assunto para um post que fica, quiçá, para outra vez), derivado do relativamente trivial πυγή [piguée] (“traseiro”). Parece ter sido menos ofensivo que βινῶ, sendo utilizado apenas como repreensão ou protesto sem implicações diretamente sexuais (tal qual “vai te foder” em português); a exemplo, o termo foi encontrado grafado numa tigela, dirigido a quem pudesse pensar em furtá-la.

Em época bizantina λαικάζω substituiu βινῶ como termo geral para a prática sexual, mas é provável que inicialmente se restringisse apenas ao sexo oral praticado em homens. Quase todos os exemplos deste termo foram tramandados pela comédia ática; há exceções como um epigrama que descreve uma mulher idosa, fisicamente tão repulsiva que precisava se limitar ao sexo oral para obter a atenção de amantes, Luciano atribui a um homem efeminado o epíteto de λαικαλέος [laikaléos] em Lexiphanes e há uma ocorrência no relato do filósofo estóico Crisipo sobre uma lenda de Hera praticando sexo oral em Zeus.

Não por acaso, em sua magnífica resenha Diógenes Laertius diz que a linguagem adotada por Crisipo era mais próxima à das χαμαιτύποις [khamaitípois], “as que andam pelas ruas”, ou seja o mais baixo escalão de prostitutas, que à dos filósofos.

Entre os eufemismos para o ato sexual, cabe lembrar ποιῶ [poióo] “fazer”, συνευνάζομαι [sineunázomai] “deitar-se juntos” e παννυχίζω [pannikhízoo] “passar a noite”, além de um sem número de termos ligados à atividade rural e ao esporte, quais βόσκω [bóskoo] “alimentar” e κελητίζω [keletízoo] “cavalgar”.

Entre os termos não propriamente obscenos mas válidos a esta lista, cabe lembrar χαρίεντες [xaríentes] “libertino”, ἄστυτοι [ástitoi] “impotente”, ἡταιρηκῶς [eetaireekóos] “menino de aluguel” e a citação sobre uma cortesã chamada de δωδεκαμήχανος [doodekaméekhanos] “que conhece doze formas de amar”.

É evidente que as obscenidades não precisam ser limitadas à mera lexicalidade; é sempre possível divertir-se com cacofonias intencionais (principalmente para σκατός [skatós] “fezes, merda”) ou por meio de jogos semânticos como em Arquíloco:
ἡ δʹ ὥσπερ αὐλῶι βρῦτον ἤ Θρέιξ ἀνέρ
ἤ Φρὺξ ἕμυζε· κύβδα δʹ ἧν πονεομένη
(“Ela chupava como as Trácias e as Frígias [o fazem] com cerveja por um canudo, e estava curvada de tanta atividade”.)

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