Romântico Zingarelli

Recupero o título de Mestiere di Scrivere, no qual encontrei esta notícia sobre o Zingarelli, o dicionário que mais tenho recomendado a meus alunos de italiano.
Tra le novità di questo Zingarelli 2010 spicca l'apertura a un cospicuo patrimonio di belle parole “da salvare”. Contrassegnate da un'icona di una semplicità elementare ma dal profondo valore simbolico, un fiore, ♣, – cosa c'è di più struggente e disarmante? –, sono quelle tante, preziose parole dell'italiano delle quali può sfuggire a molti il senso e di cui si deve tuttavia dire: “eppur ci sono”. Profumate in molti casi d'antico, non saranno proprie dell'uso corrente o correntissimo ma sono pronte a prestare la loro opera per chiunque voglia ancora disporne: parole carezzevoli e degne di rispetto, che valgono un nodo al fazzoletto perché non siano spedite in soffitta prima del tempo.
Que em minha apressada tradução fica (nota de topo: "um nó ao lenço" é uma marca feita para lembrar de algo):
Entre as novidades deste Zingarelli 2010 desponta a abertura a um notável patrimônio de belas palavras "a serem salvas". Indicadas por um ícone de uma simplicidade elementar mas com um profundo valor simbólico, uma flor, ♣, – o que haveria de mais intenso e espontâneo? –, são aquelas muitas e preciosas palavras do italiano que a muitos pode fugir o significado e das quais deve-se de qualquer modo dizer: "mas apesar disto existem". Perfumadas em muitos casos de antigo, não serão adequadas ao uso atual ou atualíssimo mas estão prontas para oferecer seus serviços àqueles que delas ainda queiram dispor: palavras lânguidas e dignas de respeito, que valem um nó ao lenço para que não sejam guardadas antes do tempo.
Afirma-se com razão como de mais palavras dispomos, mais articulados e em nuaces serão nossos pensamentos. Não conhecemos: dispomos. Talvez seja o efeito dos sinuosos "cospicuo", "struggente", "disarmante" e "carezzevoli" do texto, difícil de verter ao vocabulário de um português também a ser erodido...

Orquídea

De acordo, teimar nestas etimologias pudicas soará uma mania perversa, mas após lembrar abacates é impossível não falar em orquídeas. Por quê? Pela estranha coincidência que veremos.

As orquídeas são, em verdade, um enorme e diverso grupo : as orchidaceæ constituem a maior família entre as angiospermas (para quem cochilou o ensino médio, as plantas com flores), com uma contagem lhe atribuindo 880 gêneros e 22.000 espécies. Para a surpresa de muitos, o nome orquídea vem do grego antigo ὄρχις [órkhis], "testículo", por via do latim orchis adotado pelos primeiros taxonomistas científicos. Mas como estas belas flores, primeiras entre as preferências de público junto a rosas e margaridas, receberam tal nome? Visto que uma imagem valeria por mil palavras...

Ao que parece, já na antiguidade os tubérculos das orquídeas, suas raízes, eram considerados semelhantes a testículos: não é casual por longo tempo terem associado à planta efeitos afrodisíacos, naquele pensamento tipicamente homeopático do "
similia similibus curentur" (coisas parecidas seriam curadas com coisas parecidas). Sabemos que gregos e romanos conheciam uma certa planta chamada orquis, possível mas não necessariamente nossas orquídeas, com a qual produziam poções amorosas como aquela, narrada por um historiador não muito confiável, que misturada a leite de cabra habilitava um homem a nada menos que 70 atos sexuais seguidos.

O original sentido grego está explícito na série de termos médicos relacionados aos testículos, como anorquismo (ausência de um ou ambos os testículos), orquialgia (dor nos testículos) e orquistomia (remoção dos testículos, ou termo técnico para castração).

De Vulgari Eloquentia

Traçar estas postangens etimológicas reanimou a lembrança de meu "livro de gaveta" mais concreto, uma tradução ao português do De Vulgari Eloquentia ("Sobre a eloqüência em vernáculo") de Dante Alighieri. Ano passado, ao apresentá-la num dormente congresso literário da PUC-RS, me surpreendi com o sucesso entre os colegas, distante da gelada recepção docente. Deixo aqui, de chamariz para eventuais pesquisas, o capítulo inicial e alguns trechos interessantes, sem notas ou mais revisões mais profundas.

Talvez esteja na hora de arregaçar as mangas e jogar a sorte com uma editora séria na esperança de vê-la publicada, esgotado com as alergias acadêmicas a tudo que não é recentíssimo...

Livro I, Capítulo I
1. Como não sabemos de ninguém que antes de nós tenha tratado da eloqüência[1] em vernáculo[2], apesar de, pelo que nos resulta, esta ser de grande necessidade a todos, visto da mesma valem-se não apenas os homens mas também mulheres e crianças, no limite de quanto lhes é permitido por suas naturezas. Assim, com a ajuda do Verbo que nos inspira do céu, tentaremos auxiliar o discurso das pessoas que se exprimem em vernáculo, com a intenção de jogar alguma luz sobre o discernimento de todos os que perambulam pelas ruas feito cegos, muitas[3] vezes acreditando terem à sua frente o que, em verdade, está às suas costas. Mas para encher tal cálice não iremos nos limitar à água de nosso intelecto apenas, e sim a combinaremos aos melhores ingredientes retirados ou colhidos de outros autores, a fim de assim obter o mais doce hidromel[4].
2. Mas como toda disciplina deveria esclarecer (e não apenas demonstrar) qual seu objeto de estudo, de maneira tal que se saiba sobre o que está se versando, nos apressamos em dizer que por “vernáculo” entendemos aquela língua à qual as crianças são acostumadas pelos que as rodeiam, tão logo estas começam a articular distintamente as palavras. Ou, mais brevemente, definimos o vernáculo como aquela língua que, sem a necessidade de regras, aprendemos ao imitarmos nossas amas.
3. Além desta, dispomos também de uma segunda língua, à qual os romanos deram o nome de “gramática”. Desta segunda língua são dotados também os gregos e alguns outros povos, mas não todos. Afinal, poucas são as pessoas que alcançam seu pleno domínio, visto não podermos aprender suas regras ou instruirmo-nos nela sem visto nem suas regras poderem ser aprendidas, nem podermos nos instruir nela sem tempo e perseverança nos estudos.
4. Entre estas duas línguas, a mais nobre é o vernáculo, seja por ter sido a primeira a ser empregada pelo gênero humano, seja por dela valer-se o mundo inteiro (mesmo na diversidade de pronúncias e de vocabulários que a dividem), seja porque nos é natural (enquanto a outra é assaz artificial).
5. Exatamente desta língua mais nobre é nossa intenção tratar.

Livro I, Capítulo VIII

4. Sobre todo o território que se estende da foz do Danúbio (ou dos pântanos da Meótide, como se queira), até os limites ocidentais da Inglaterra[15], cujos demais limites são tanto as fronteiras dos franceses e dos italianos quanto o Oceano Atlântico, dominou uma única língua, mesmo tendo em seguida se ramificado nos diversos vernáculos relativos a Eslavos, Húngaros, Teutões, Saxões, Ingleses e a um número de outras nações. À maioria destes vernáculos permanece, como vestígio da identidade inicial, que para responder afirmativamente quase todos estes povos dizem “jo”[16].

Livro I, Capítulo IX

7. E sobre o termos afirmado da variação “no tempo”[26], esta não pode a meu aviso ser posta em dúvida; retemos, ao contrário, que deva ser admitida firmemente, com base no atento exame de outras obras humanas, o qual demonstra como nos diferenciamos mais de nossos antiquíssimos concidadãos que de nossos contemporâneos mais distantes. Ousamos portanto afirmar que, se os mais antigos habitantes de Pavia ressurgissem neste momento, falariam uma língua diferente e não similar àquela dos paveses de hoje.
8. Aliás, quanto sustentamos não deveria surpreender mais de quanto surpreenderia verificar o crescimento de um jovem tornado adulto, sem tê-lo visto durante este crescimento: não percebemos movimentos que ocorrem gradualmente e consideramos algo tão mais estável quanto mais tempo nos é necessário para verificarmos sua mutação.
9. Não é portanto de maravilhar-se quando alguns homens, em pouco distintos dos animais quanto à capacidade de juízo, opinam ter numa mesma cidade sempre imperado uma mesma língua invariável: o variar de uma língua dentro de uma cidade ocorre aos poucos e durante uma longuíssima sucessão de anos, enquanto a vida humana, por sua própria natureza, é brevíssima.
10. Se portanto, como foi dito, uma língua varia em um e no mesmo povo com o passar do tempo, e não pode de maneira alguma manter-se imóvel, as línguas de populações que vivem separadas e distantes entre si devem necessariamente alterar-se de maneiras diversas, como de diversas maneiras mudam seus usos e costumes, aos quais não é dada estabilidade pela natureza ou pela sociedade, mas nascem como frutos do arbítrio humano e com base em critérios de proximidade espacial.

Abacate e guacamole

Esta é bastante conhecida, mas serve para manter a linha "etimologias de origem anatômica" do post anterior.

O abacate é o fruto do abacateiro (Persea americana), uma árvore nativa do Caribe e da América Central. Seu nome deriva de āhuacatl, uma palavra nahuatl (grupo de línguas mais conhecido por "azteca") que significa "testículo", em referência ao formato da fruta. Os conquistadores espanhóis, talvez ingênuos quanto a seu significado, logo assimilaram o nome nativo em aguacate (apesar de ainda ser chamado palta pelas comunidades de influência quéchua da América do Sul), palavra da qual deriva o português abacate.

Uma palavra obviamente relacionada, e também de origem nahuatl, é guacamole, composto de āhuacatl e molli "molho". Prato estimado pelos pré-colombianos, já se tratava da essencial mistura de abacate e tomate (outra palavra de âmbito nahuatl) que daria origem à versão atual, geralmente combinada a frutas cítricas (cuja origem, porém, é asiática).

Porcelana

Para retomar as postagens, o melhor é uma etimologia curiosa.

A porcelana é um material cerâmico, obtido a partir de um mineral chamado caolino. A produção na forma atual iniciou na China há cerca 2.000 anos, o que também explica seu sinônimo china em inglês.

Seu nome deriva do italiano porcellana, originalmente aplicado a uma família de conchas que inclui os típicos búzios: o reflexo e a textura das primeiras cerâmicas deste tipo a entrar na Europa, provavelmente graças a mercadores italianos do século XV, foi rapidamente associado àqueles das conchas. Nada surpreendente, diríamos, mas qual a origem do porcellana? O termo deriva do também italiano porcella, um feminino que remete ao latim porcellus "porco jovem" (diminutivo de porculus, por sua vez diminutivo de porcus "porco"). Mas qual a possível relação entre as conchas, e portanto entre as cerâmicas, e as jovens suínas? Simples: a forma das primeiras lembrava aquela da vagina das últimas!