Talvez esteja na hora de arregaçar as mangas e jogar a sorte com uma editora séria na esperança de vê-la publicada, esgotado com as alergias acadêmicas a tudo que não é recentíssimo...
Livro I, Capítulo I
1. Como não sabemos de ninguém que antes de nós tenha tratado da eloqüência[1] em vernáculo[2], apesar de, pelo que nos resulta, esta ser de grande necessidade a todos, visto da mesma valem-se não apenas os homens mas também mulheres e crianças, no limite de quanto lhes é permitido por suas naturezas. Assim, com a ajuda do Verbo que nos inspira do céu, tentaremos auxiliar o discurso das pessoas que se exprimem em vernáculo, com a intenção de jogar alguma luz sobre o discernimento de todos os que perambulam pelas ruas feito cegos, muitas[3] vezes acreditando terem à sua frente o que, em verdade, está às suas costas. Mas para encher tal cálice não iremos nos limitar à água de nosso intelecto apenas, e sim a combinaremos aos melhores ingredientes retirados ou colhidos de outros autores, a fim de assim obter o mais doce hidromel[4].
2. Mas como toda disciplina deveria esclarecer (e não apenas demonstrar) qual seu objeto de estudo, de maneira tal que se saiba sobre o que está se versando, nos apressamos em dizer que por “vernáculo” entendemos aquela língua à qual as crianças são acostumadas pelos que as rodeiam, tão logo estas começam a articular distintamente as palavras. Ou, mais brevemente, definimos o vernáculo como aquela língua que, sem a necessidade de regras, aprendemos ao imitarmos nossas amas.
3. Além desta, dispomos também de uma segunda língua, à qual os romanos deram o nome de “gramática”. Desta segunda língua são dotados também os gregos e alguns outros povos, mas não todos. Afinal, poucas são as pessoas que alcançam seu pleno domínio, visto não podermos aprender suas regras ou instruirmo-nos nela sem visto nem suas regras poderem ser aprendidas, nem podermos nos instruir nela sem tempo e perseverança nos estudos.
4. Entre estas duas línguas, a mais nobre é o vernáculo, seja por ter sido a primeira a ser empregada pelo gênero humano, seja por dela valer-se o mundo inteiro (mesmo na diversidade de pronúncias e de vocabulários que a dividem), seja porque nos é natural (enquanto a outra é assaz artificial).
5. Exatamente desta língua mais nobre é nossa intenção tratar.
Livro I, Capítulo VIII
4. Sobre todo o território que se estende da foz do Danúbio (ou dos pântanos da Meótide, como se queira), até os limites ocidentais da Inglaterra[15], cujos demais limites são tanto as fronteiras dos franceses e dos italianos quanto o Oceano Atlântico, dominou uma única língua, mesmo tendo em seguida se ramificado nos diversos vernáculos relativos a Eslavos, Húngaros, Teutões, Saxões, Ingleses e a um número de outras nações. À maioria destes vernáculos permanece, como vestígio da identidade inicial, que para responder afirmativamente quase todos estes povos dizem “jo”[16].
Livro I, Capítulo IX
7. E sobre o termos afirmado da variação “no tempo”[26], esta não pode a meu aviso ser posta em dúvida; retemos, ao contrário, que deva ser admitida firmemente, com base no atento exame de outras obras humanas, o qual demonstra como nos diferenciamos mais de nossos antiquíssimos concidadãos que de nossos contemporâneos mais distantes. Ousamos portanto afirmar que, se os mais antigos habitantes de Pavia ressurgissem neste momento, falariam uma língua diferente e não similar àquela dos paveses de hoje.
8. Aliás, quanto sustentamos não deveria surpreender mais de quanto surpreenderia verificar o crescimento de um jovem tornado adulto, sem tê-lo visto durante este crescimento: não percebemos movimentos que ocorrem gradualmente e consideramos algo tão mais estável quanto mais tempo nos é necessário para verificarmos sua mutação.
9. Não é portanto de maravilhar-se quando alguns homens, em pouco distintos dos animais quanto à capacidade de juízo, opinam ter numa mesma cidade sempre imperado uma mesma língua invariável: o variar de uma língua dentro de uma cidade ocorre aos poucos e durante uma longuíssima sucessão de anos, enquanto a vida humana, por sua própria natureza, é brevíssima.
10. Se portanto, como foi dito, uma língua varia em um e no mesmo povo com o passar do tempo, e não pode de maneira alguma manter-se imóvel, as línguas de populações que vivem separadas e distantes entre si devem necessariamente alterar-se de maneiras diversas, como de diversas maneiras mudam seus usos e costumes, aos quais não é dada estabilidade pela natureza ou pela sociedade, mas nascem como frutos do arbítrio humano e com base em critérios de proximidade espacial.
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